NIZAN GUANAES
A
nova classe alta
O Brasil moderno exige uma elite capaz de liderar as
transformações que estão ocorrendo no país
Depois da nova classe média, este país precisa de uma nova
classe alta. O Brasil moderno exigirá uma nova elite. Que é bem diferente de
uma casta: um dinheiro responsável que seja gasto assim como foi feito, com o
bom senso das madrugadas e do suor, misturando vitórias e tragédias, mas sempre
com muito respeito e espírito público.
Não quero desrespeitar ninguém com generalizações porque toda
generalização é burra, mas, muitas vezes, o pai funda e o filho afunda. Da
mesma forma que é preciso educar a população em geral, é preciso também educar
os filhos da elite. E, em muitos sentidos, a educação pública tem tido
proporcionalmente mais avanços do que a privada.
O Brasil, que mais cedo do que tarde terá assento permanente no
Conselho de Segurança das Nações Unidas e será ouvido em todos os fóruns
importantes do mundo, precisa preparar os jovens brasileiros para serem futuros
líderes globais. Mas, além de falar o bom inglês, eles precisarão falar
fluentemente o português.
Não acredito numa sociedade dividida por preconceitos e ódios.
Essa sanha contra os ricos que está acontecendo na França não vai levar a
França a lugar nenhum. Mas o novo Brasil construído por um intelectual
professor, um líder sindical e uma economista vítima da ditadura exige uma
elite à altura deste momento maior do Brasil. Um momento maior, mas não um
momento fácil, porque o mundo será cada vez mais competitivo.
Essa elite (à qual pertenço) às vezes parece mais mobilizada
para educar os pobres do que os próprios filhos --casa de ferreiro, espeto de
pau.
Mas não educar bem uma criança, deixá-la crescer no shopping
center, consumindo loucamente sem ter desafios e sonhos que transcendam um
abdômen de tanquinho e o próximo modelo de iPhone é falta de amor com ela e
falta de responsabilidade com o país.
Levei recentemente um de meus filhos para testes de admissão em
duas escolas americanas de elite. Lá encontrei muitos pais chineses, indianos.
E nada de brasileiros.
O português tão ouvido nas lojas de Nova York e Miami é bem
menos ouvido na Harvard que eu e o meu Antônio visitamos.
Se você é brasileiro e quer ter um caso secreto em Nova York,
leve sua namorada para uma biblioteca.
Visitei Bill Gates em sua casa e me emocionei andando pela
biblioteca dele. Estão lá os mais importantes livros da civilização humana nas
suas primeiras edições. E é óbvio que o dono daquela biblioteca vai dividi-la
com o mundo quando não estiver mais nele.
Ser rico é um privilégio, um direito e também uma
responsabilidade.
Nasci no Pelourinho, no largo do Carmo, número 4. Descia a
ladeira do Carmo e subia o Pelô todos os dias para ir ao colégio Marista. Eu ia
de ônibus, e a escola era mais cara do que meus pais podiam pagar. Não era
escola... Era um investimento.
Meu pai, que era médico, foi para a Inglaterra com bolsa de
estudos do governo e me levou para aprender inglês, conhecer o mundo e não ter
medo dele. Meu avô Demócrito Mansur de Carvalho, líder sindical comunista, me
ensinou a amar Castro Alves. Minha mãe, a amar Pablo Neruda e Machado de Assis.
Meu pai me ligou para me comunicar a morte de Vinicius com a voz
embargada de quem perdeu um amigo. E eles eram todos amigos nossos, porque
minha família era amiga dos livros.
Eu devo aos meus pais e ao esforço deles de sacrificar uma
parcela significativa do que ganhavam para me dar ao luxo de estudar o fato de
eu estar preparado para uma vida e um mundo maiores do que o mundo no qual eu
nasci.
E graças a eles eu cheguei até onde cheguei: colunista desta
Folha.
A classe média, a tradicional e a nova, tem motivos óbvios para
estudar e se qualificar: um mercado de trabalho cheio de oportunidades para
subir na vida, avançar materialmente.
Já a classe alta tem motivos tão nobres quanto, embora nem
sempre tão evidentes: liderar essa transformação com valores includentes,
iluministas e brasileiros.
NIZAN GUANAES,
publicitário e presidente do Grupo ABC.
Colaboração: Francisco Pires (Tantan)
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