terça-feira, 3 de março de 2015

Quando o olhar se libertou do celular



Gostaria que pensasse, por alguns minutos, na força do olhar. Não estou falando de um olhar desatento, em que o pensamento vagueia e o que há em volta parece pouco importar. Refiro-me àquele olhar profundo, concentrado e que ajuda a nutrir a alma.

Um olhar repleto de significados, ao estilo Tom Jobim: “Esse teu olhar / Quando encontra o meu / Fala de umas coisas que eu não posso acreditar…“. 

Um gesto simples, mas com tanto poder que chegou a inquietar até mesmo o mestre Fernando Pessoa
: “Ah, mas se ela adivinhasse, / Se pudesse ouvir o olhar, / E se um olhar lhe bastasse / P’ra saber que a estão a amar!“.

Apesar dessa força, venho percebendo que o hábito de olhar nos olhos do outro, com sinceridade, pureza, buscando captar e interpretar sentimentos, está em declínio. E minha argumentação é que um dos principais vilões da atualidade, responsável pela decadência do olhar profundo, é o celular.
Basta andar por ruas, shoppings e restaurantes. Boa parte dos indivíduos está focada no aparelho. E não são apenas aqueles que se encontram sem companhia, sozinhos. Famílias ou grupos de amigos sentam-se ao redor de uma mesa, põem-se a digitar em velocidade alucinante e pouco se falam. Raramente se olham…

Há tempos esse fenômeno vem causando-me certa angústia. É como se o olhar tivera sido aprisionado pelo celular. E, sendo o olhar, algo tão poderoso, o celular acaba também fazendo refém a mente das pessoas. São exemplos:

- Muitos não conseguem dialogar mais de 3 minutos sem inserir no contexto um vídeo visualizado recentemente;

- Quem está perto que espere, a preferência é sempre de quem chamou no celular;

- Há quem gaste quase que o valor do próprio salário, de forma parcelada, é claro, para ter um aparelho mais moderno;

- e por aí vai…

Esses maus hábitos estão se espalhando, com tamanha velocidade, que cheguei a pensar na possível extinção do verdadeiro olhar – aquele de Pessoa, de Jobim…

Mas qual não foi minha surpresa quando, sem querer, caminhando pelas redondezas do prédio em que moro, deparei-me com uma cena que me fez encher a alma de esperança.

Passando em frente a uma escola de ensino infantil, bem no momento em que os pais estavam ansiosos por reencontrar seus filhos, após um longo dia de trabalho, uma menininha de uns 3 anos, largou a mochila, olhou para a mãe e pôs-se a correr em sua direção. 

olhar da mãe, mesmo sendo essa uma tarefa diária, comum, era de como se estivesse fazendo aquilo pela primeira vez.

Era um olhar de renovação, de cultivo de amor. Em poucos segundos, muito foi dito, sem uma palavra sequer.

E nesse momento, foi quando o olhar libertou-se do celular. 

E o que era importante, se sobrepôs a todo o resto.
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PROF. ELISSON DE ANDRADE
http://profelisson.com.br/

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